A intenção deste artigo não é fazer considerações conceituais sobre força maior e seu cabimento como causa excludente ou limitadora de responsabilidade contratual.
Aqui, parte-se da premissa de que a pandemia decorrente do Covid-19 é causa imprevisível, sob o aspecto jurídico, e suficiente para permitir o debate a respeito da existência de força maior.
Nesse sentido, vale lembrar algumas medidas adotadas por diferentes autoridades do Poder Público, a respeito da pandemia do Covid-19, que permitem admitir a premissa acima como verdadeira:
(i) o Congresso Nacional aprovou projeto de decreto legislativo enviado pela Presidência da República que reconhecia Estado de Calamidade Pública;
(ii) o Conselho Nacional de Justiça aprovou Resolução que estabelece, no âmbito do Poder Judiciário, regime de Plantão Extraordinário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo Coronavírus – Covid-19, e garantir o acesso à justiça neste período emergencial;
(iii) o Tribunal de Justiça de São Paulo publicou Provimento que estabelece o sistema remoto de trabalho; e
(iv) o Governo do Estado de São Paulo publicou Decreto, que determinou a denominada quarentena no Estado de São Paulo, no contexto da pandemia do Covid-19 durante o período de 24 de março a 7 de abril de 2020.
Dito isso, e sem a pretensão de exaurir as incontáveis variáveis, vamos à exposição de questões práticas que os profissionais de direito terão a missão de enfrentar, assessorar e resolver, no âmbito de suas respectivas competências.
É inegável admitir que a maioria ou que uma grande parte dos impasses contratuais deve ser resolvido pelos próprios contratantes, sob pena de causar uma situação de colapso social e inviabilizar uma atuação eficiente do Poder Judiciário.
Contudo, a experiência comum permite admitir que, apenas pelas próprias partes contratantes, dificilmente isso ocorrerá. A assessoria de profissionais certamente terá destaque importante na aproximação, mediação e acordos.
Mesmo assim, certamente inúmeros casos baterão às portas do Poder Judiciário e das Câmaras de Arbitragem para que o impasse, transformado em litígio, seja resolvido.
Pois bem. A situação de força maior, prevista pelo artigo 393 do Código Civil, é reforçada pela aplicação de princípios gerais de contrato da função social e da boa-fé objetiva – artigos 421 e 422 do Código Civil.
Vale dizer: a interpretação sistemática destes e de outros dispositivos legais, impõem aos contratantes o dever de negociar e, por outro lado, permitem a revisão do contrato pelo julgador.
Importante lembrar que essa possibilidade, por si só, não admite a revisão contratual a torto e a direita.
A aplicação da força maior como excludente de obrigação, está limitada à inexistência de disposição contratual em sentido contrário e, sobretudo, à análise casuística de nexo causal entre o evento e a impossibilidade de adimplemento da obrigação.
Mais do que isso. Ainda que a situação de força maior seja caracteriza em determinada relação contratual, a consequência não se limita obrigatoriamente à extinção do contrato ou livrar o devedor de determinada obrigação.
Pode implicar na suspensão ou na modificação temporária da obrigação, assim como na revisão do contrato como um todo, de modo a reequilibrá-lo ao longo de sua execução.
O exercício deste direito, como qualquer outro, não é ilimitado. Eventuais pretensões abusivas devem ser coibidas, valendo lembrar que, inevitavelmente, todos os contratantes sujeito aos efeitos desta situação de força maior experimentarão determinado prejuízo.
Como conclusão, podemos dizer que, diante da peculiaridade da situação e da nova realidade contratual/negocial que se avizinha, é tempo de agir privilegiando o bom senso tanto no âmbito da negociação extrajudicial, quanto no do litígio. Dever esse que cabe aos contratantes e aos profissionais que irão assessorá-los.
João Marcos Medeiros Barboza
Sócio da área de Contencioso e Arbitragem de HBF Advogados